sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Metas para 2024

Em 2023 meu maior aprendizado foi manejar a minha angústia de não saber. Descobri, com muito custo, que o que eu pensava saber sobre mim, era só o que eu aceitava que os outros diziam que eu era. Quer dizer, ousei olhar pra isso. 

Se a gente foge muito tempo de olhar pra algo que parece ser a causa da nossa paralisação, provavelmente é porque a gente acha que esse é um caminho sem saída. Eu tinha medo de olhar e entender que minha hipótese estava certa, que eu não tinha nada meu. E então seria o fim. O que eu seria se não tudo o que tinha sido até hoje? O que eu faria com esse gigantesco NADA?

Mas foi justamente assumir o tudo que era do outro, e o nada que era meu, que me fez entender que, algumas coisas que eram do outro em mim também eram minhas. Eu não gosto de ser psicóloga. Mas eu não sou. Eu sou psicanalista. Eu não gosto de ter a mesma profissão que a minha mãe tem, de sentir que vou me afundar nas demandas da profissão como ela e diversos outros profissionais fazem. Mas meu futuro não está escrito assim. Apesar de circunstâncias muito difíceis, eu não estou a mercê das circunstâncias. Minha vocação é aquilo que eu faço com as circunstâncias. E quando penso em profissão, eu me vejo, também, sendo professora. 

Percebi que preciso fazer o básico bem feito. Fazer o que precisa ser feito, ainda que doa. Respeitar meus limites, respeitar os limites dos outros.

A palavra de 2024 é SABEDORIA. É interessante que Deus tenha suscitado essa palavra, porque ela me lembra da minha infância, quando meu avô me contava histórias sobre o Rei Salomão e essa minha relação com esse personagem é de muita intimidade, carinho, conforto. Tudo o que eu tenho dificuldade de sentir no meu cotidiano para retomar uma autenticidade que em mim brilhou um dia.

Dentre todos os pedidos que o Rei Salomão podia fazer para Deus, ele pediu para ser um rei sábio. Essa sabedoria que ele recebeu, direcionou toda uma nação. A história das duas mães, que me é tão preciosa, me mostra que ter sabedoria parte da habilidade de observar, ouvir e constatar o tom dos contextos e situações, uma dificuldade enorme que tenho, para a partir disso agir. Não posso me esquecer de que uma pequena borboleta muda o tom de um ambiente. E eu sou uma borboleta.

Metas para 2024

Pessoal 

Trabalhar vícios (comida, carência);

Não entregar minhas ideias de bandeja para as pessoas;

Ouvir mais do que falar; 

Ouvir mais os outros sem ultrapassar meus limites; 

Escolher minhas lutas e projetos (em todos os aspectos, inclusive com pessoas);

Respeitar limites das pessoas; 

Ser mais receptiva à frustrações/rejeições/negativas;

Desconstruir preconceitos como ideia de estar "sempre à frente";

Descobrir meu estilo, gostos pessoais, interesses;

Entender meu posicionamento político e perspectiva de mundo;

Estar mais disposta a gastar tempo com as coisas, lembrar que posso sempre aprender


Social 

Ter mais tempo de qualidade com a minha família;

Manter maior contato com amizades que eu quero cultivar (Gus; Alice e Amanda Madi; Vitória Mattos, Bia Fer, Gi Pet, Lara e Diogo);

Cultivar meu namoro;

Fazer festas de fim de ano por conta própria em casa;

Ir na parada LGBTQIA+ e me orgulhar.


Espiritual 

Me dedicar aos ministérios que sou líder;

Fazer acampamento sênior; 

Retomar 5 pedrinhas: missa, terço, estudo bíblico, jejum e confissão 


Saúde 

Fazer um exercício físico, esporte ou academia;

Comer mais saudável.


Lazer 

Participar mais de oportunidades culturais: cinema, teatro, palestras, shows, etc. 

Ler pelo menos 1 livro que não seja relacionado à trabalho por mês.

Planejar viagens: uma para o Uruguai; uma sozinha; uma com minhas amigas; uma com o Iuri

Aprender a fazer crochê 


Financeiro

Economizar para viajar e financiar uma casa;

Terminar de mobiliar predinho;

Comprar uma moto; 


Estudos

Conciliar faculdade e trabalho;

Me dedicar à pesquisa como prioridade;

Falar menos em sala de aula, não atrapalhar meus colegas com meus pensamentos e posicionamentos;

Ser professora de espanhol no centro de línguas do Ibilce;

Seguir com análise, supervisão e grupo de estudos; 

Dedicar tempo para o projeto Instituto Zoe

Não perder de vista: mestrado; pós em psicanálise; escrever 


Trabalho

Ter postura no novo ambiente de trabalho; 

Ser mais paciente; 

Continuar prestando concursos públicos;

Ser dedicada ao que propuser a fazer; 

Reclamar menos, transformar mais;

Não fazer fofoca.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Metas para 2023

 "Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz. 

Onde houver ódio, que eu leve o amor

Onde houver ofensa que eu leve o perdão;

Onde houver discórdia, que eu leve a união; 

Onde houver dúvida, que eu leve a fé; 

Onde houver erro que eu leve a verdade; 

Onde houver desespero, que eu leve a esperança; 

Onde houver tristeza que eu leve a alegria; 

Onde houver trevas, que eu leve a luz. 


óh mestre, 

fazei que eu procure mais: 

consolar, que ser consolado; 

compreender, que ser compreendido; 

amar que ser amado

pois é dando, que se recebe, 

é perdoando que se é perdoado,

e é morrendo que se vive para a vida eterna."

Oração de São Francisco de Assis


    Não sei se dei algum passo em direção à palavra entrega, palavra de 2022, mas eu tentei dar. Eu acho que tentar tanto, me fez perceber que meus conflitos em relação à ela já não existem mais. Inclusive aquele documentário que ganhou um óscar da netflix, que envolve um polvo e um cara deprimido me ajudou muito a metaforizar e internalizar minhas questões com entrega. Entregar definitivamente não significa conseguir viver tudo o que eu gostaria, isso é mais se iludir, rs. Entregar é aceitar que, ainda que eu dê tudo o que posso, pode não ser 100% do meu potencial de entrega em outro contexto ou circunstância. Mas que, por ser o meu melhor, é o suficiente. Mesmo quando não é. Me entregar também não é mais um fardo. Ou um evento super especial. É o que é necessário pra crescer e amadurecer. Então eu me entrego. 

    Eu finalmente me resolvi com a questão das escolhas. Eu entendi o que era o "deixar o nada vir à tona". A fragmentação, o trabalho em excesso, crenças de fracasso, procrastinação, espaços bagunçados e mal delimitados, tempos idealizados e sempre cheios e eu sempre atrasada... e um ódio. Um ódio tão forte, e tão impactante, e tão avassalador, e tão grotesco. Todos significantes de um grande Outro chamado sistema capitalista para o qual eu tinha entregue minha alma desde criança, sem consciência. O tudo era esse Outro que eu achava que era Eu. Mas as vozes de fora se calaram, as ondas de dentro se amansaram. E não sobrou nada. Só meu eu esvaziado, esvaziado de significantes, cheio de lacunas e o meu primitivismo, o que é claro e o que é cru. E nesses espaços vazios, onde podem passar muitas coisas, encontrei aquelas que são simples e, de tão simples, difíceis. 

    O amor é tão potente quanto o ódio, disse minha analista. O amor é composto de pequenos surtos, como o de Ana, no conto "amor", de Clarisse Lispector, disse minha analista (e o meu professor de Narrativa Brasileira I, mas eu ainda estou tentando me acostumar com a demora das fichas caindo, que eu acho que em breve também será passado, já que minhas estruturas psíquicas parecem finalmente estar dando indícios de que sairão da fase de latência). Eu estou sustentando a nossa relação, disse a minha analista. O amor sustenta relações. Ela não disse, mas eu ouvi. Existem outros Outros, que também podem dizer de mim, e preencher a minha lacuna (e com outras coisas que não são lixo, mas tesouros), ainda que eu esteja mergulhada, demarcada e presa na linguagem e no sistema capitalista. 

    A palavra de 2023 é amor. O arcano que rege o ano é o carro, a 7ª carta do tarot, o meu número. Não acho que terei dificuldade de escolher ou bancar minhas escolhas, principalmente a de amar. Acho que meu novo desafio é aprender o sentido de vivê-las. 

Metas para 2023

Pessoal 

Trabalhar vícios (comida, carência);

Não entregar minhas ideias de bandeja para as pessoas;

Ser mais receptiva à frustrações/rejeições/negativas;

Desconstruir preconceitos como ideia de estar "sempre à frente" e costumes sociais não questionados para mim como existir feriados religiosos em âmbito nacional;

Ter uma rotina que contemple mais que minha vida profissional;

Aprender a descansar;

Descobrir meu estilo, gostos pessoais, interesses;

Entender meu posicionamento político e perspectiva de mundo;

Buscar novas referências de Outros;

Gastar tempo comigo;

Levar mais a sério responsabilidades e honrar contextos em que estou envolvida, sejam quais forem, sem subestimar;

Escolher minhas lutas e projetos (em todos os aspectos, inclusive com pessoas).


Social 

Ter mais tempo de qualidade com a minha família (pais, Margot, avô, Fer);

Manter maior contato com amizades que eu quero cultivar (Gus, Pat Amaral, Luana Bressan, Gabi Aparecida, Letícia Chagas e Gagliardi, Lucas e Carol, Amanda Madi, entre outras);

Cultivar meu namoro;

Fazer festas de fim de ano por conta própria em casa;

Viajar sozinha, com meus pais, com meu namorado, com amigos;

Ir na parada LGBTQIA+ e me orgulhar.


Espiritual 

Entender meu posicionamento religioso e decidir o que fazer com ele; 

Talvez fazer acampamento sênior; 

Seguir dando atenção à minha intuição.


Saúde 

Continuar com o checkup médico;

Fazer um exercício físico, esporte ou academia (sesc??);

Comer mais saudável.


Lazer 

Participar mais de oportunidades culturais: cinema, teatro, palestras, shows, etc. 

Ler pelo menos 1 livro que não seja relacionado à trabalho por mês.


Financeiro/Estudos/Profissional/Carreira

Entender qual meu objetivo em relação à casa;

Terminar de mobiliar casa e escritório;

Passar em um concurso público e ter estabilidade financeira;

Retirar o certificado da pós-graduação;

Me dedicar à iniciação científica;

Falar menos em sala de aula, não atrapalhar meus colegas com meus pensamentos e posicionamentos;

Entender o que realmente quero fazer da minha vida; 

Ser competente no que propuser a fazer; 

Não deixar pessoal e profisisonal se influenciarem e se prejudicarem;

Treinar olhar crítico que transforma, não que reclama;

Parar de fofocar;

Não perder sonhos de vida: Formação em Psicanálise, Instituto Zoé, voltar a escrever, carreira acadêmica.

domingo, 18 de setembro de 2022

VERDADE(S)

Semana passada eu tive minha primeira aula de Teoria e Ensino da Narrativa, com um senhorzinho careca muito inteligente (e provavelmente ateu), chamado Arnaldo. O homem é um gênio do encantamento pela palavra, porque enquanto falava, meus ouvidos não captavam mais nada ao redor. Não sei se tinha algum outro ruído na classe, porque meus colegas pareciam tão concentrados quanto eu (talvez fosse o espírito do início de semestre, mas duvido). 
Falávamos sobre verdade. Arnaldo disse que a verdade não existe, o que existem são verdades. Esse é um posicionamento relativista que muito me agrada, mas que me parece bastante incompleto. Seu argumento foi mais ou menos o seguinte: se um homem se suicida se jogando da janela de um prédio, cada pessoa que observa o fato, por ser atravessada pelo simbólico, faz uma leitura do que viu. Logo, o fato se transforma em fatos, pois existem várias versões, várias visões do mesmo. Certo? Sim. Mas existirem várias interpretações de um fato não muda que alguma coisa aconteceu de algum jeito específico. O pulo do gato, é que não dá pra enxergar esse jeito.
Arnaldo também disse que, observando a narrativa bíblica de gênesis, repleta de metáforas, quando Adão e Eva comem o fruto da árvore da vida, eles estão comendo o fruto que permite o conhecer. Interpreto a mordida do fruto pelas personagens como o momento em que somos inseridos na estrutura linguística, estrutura que nos faz ler o mundo, da qual é impossível fugir. Portanto, estrutura pelas quais construímos nossas "verdades". Para conhecer, damos nome. Tudo o que existe, existe porque nomeamos. Igual aquela história de que alguns grupos de esquimós tem muitos nomes para a cor azul porque existe a necessidade cotidiana do grupo de diferenciar tonalidades que para a minha cultura não existe. 
Mas, será que, hipoteticamente, de acordo com as possibilidades interpretativas bíblicas, antes de conhecer qualquer coisa, lá no jardim do Éden, os seres humanos não estavam imersos em uma estrutura que ultrapassava à linguística? Estrutura essa que permitia que enxergassem a totalidade das coisas? A "verdade"? Enxergassem, mas a ponto de poderem ter acesso à totalidade como Deus tinha (não podiam tocar a árvore do conhecimento mesmo que fizesse parte do paraíso), por serem co-criadores? Enfim, o paradoxo da comunhão. 
Escolhendo o conhecimento, Adão e Eva escolheram também a limitação pela estrutura da linguagem, do conhecer, perdendo o acesso à todos os componentes do paraíso. A existência atravessada pela linguagem é uma existência filtrada, pois precisa da estrutura. Por isso a expulsão do paraíso, não por termos uma personagem de Deus previsível e autoritária, "plana", como apontado por Arnaldo. Para que fosse possível seguir existindo vida em um mundo palpável de habitar a partir da estrutura da linguagem, já que o antigo já não era mais acessível. Outros pontos que o professor desenvolveu, como a questão da desobediência e valoração negativa do trabalho e das dores do parto são outra história (que ainda não pensei sobre e não tenho nada pra contribuir como cristã), mas quem sabe qualquer hora não tenha. 
Tá aí porque acho o argumento relativista das verdades incompleto. Existem diversas verdades, já que confirmamos nosso atravessamento estrutural pelo simbólico. Mas como saber se "A verdade" existe ou não? Impossível, pois ultrapassa a compreensão do nosso sistema de leitura do mundo. Permanece então, a fé. Ou a falta dela. Por que, no final, se existe ou não "A verdade", não importa pra ciência, porque não temos muito como acessá-la metodologicamente. Porque continuamos reféns da estrutura, e o real continua a escapar. 

sábado, 4 de junho de 2022

Aprendiz (II)

Eu me entreguei pela via do concreto. Confesso que não pensei que seria esse o meu caminho, já que meu universo foi sempre o do abstrato. Eu me entreguei aos trancos e barrancos, igual quando me obriguei a vencer a fobia social sem nem mesmo nomeá-la. Não tive nem certeza se era entrega das primeiras vezes. Não era. Porque quando foi, eu soube. E eu me entreguei primeiro pelo desejo. O desejo espelhado, bidirecional... o aprendizado do toque, do olhar, do cheiro, das formas... essas coisas que me ensinaram como desvios. Solitária e particular, como a fome que dá pra matar, uma intimação pra guerrear. Um caos, uma desordem. Uma onda gigante. 

Depois eu viajei. Pra fugir da possibilidade de desencontrar a única pessoa que de fato me fazia sentir viva, com suas mãos enrugadas e papo cabeça que desafiava o pouco estudo. Existem países com 2 capitais, tipo a Turquia. Entendi que o concreto era mais que me mostrava, tinha outras facetas. Era carinho. Era música e cor. As cores mudavam quando eu ditava, e a playlist era do gênero que eu preferisse. O concreto era contato.

Então aprendi a dar. Eu dei meus limites,  dei muito além do que podia. Até o nascer do dia. E descobri que eu ficaria mais uma vida, mas não fiquei. O que era fome de guerra, de conquista, se fez reestruturação de territórios, de nomenclaturas nunca aclaradas. A entrega não pede mais que o tempo presente. 

Antes eu testava o quanto podiam usar dos meus oferecimentos. Mas, de repente, me afogando entre muitos gostos.... em um recorte sincrônico eu encontrei um ritmo. O que ofereci foi real, não pré programado em um molde antigo. Ofereci completo. E gostei. 

Eu soube que era o que é quando meu coração foi convidado, de forma cortez e à minha altura, a se abrir. Enxerguei pela primeira vez que não havia barreira, porque ainda que a gente fosse diferente, um não era melhor ou pior que o outro. Cada detalhe derreteu o gelo dos traumas, dos medos, das dores... cada encontro foi brisa, suave, suave... envolvente... e cada segundo foi sorte. Como uma visita em um ponto turístico diferente, daquelas que planejar ver tudo é besteira... tem que se deixar viver... e mais do que dar, o meu entregar foi receber. Aprender a receber e se arriscar a perder... o concreto e o abstrato se beijaram, e eu encontrei na falta do outro a minha linguagem... nem sempre são músicos que entendem músicos... a arte de amar não se restringe.. 

domingo, 7 de novembro de 2021

Metas para 2022

Uma questão muito difícil pra mim sempre foi estar à altura da compreensão do mundo. Demoro pra entender genuinamente os processos. Por outro lado, vivo muito bem intuitivamente. Essa última habilidade abafa à falta da outra. Por muito tempo evitei lidar com essa minha dinâmica, porque gostava da aparência que ela me dava: uma pessoa que sabia um pouquinho de tudo, que sabia se movimentar bem por onde passava, uma pessoa que se mostrava tonta, mas no fundo nem era. Todo mundo sempre achou que estive no controle, mas um dia estive? Nunca. Que sabia o que estava fazendo. Sabia? Não. E estou cansada de agir diferente como se estivesse. 
Esse ano, a palavra é entrega. Eu acho que vou chorar muito, mas vou crescer. Já sei que vai ser um ano desafiador. Porque preciso ser transparente. Primeiro comigo, depois com os outros. 
Como letreira que sou, posso afirmar que entrega é um verbo transitivo direto, ou seja, que precisa de complemento para ter sentido completo. O que isso tem a ver? Significa que a moção da entrega é uma moção de grupo, de ir junto, de se mostrar, de ver, dar tudo de si. 
Eu não sei se em outro momento seria capaz de viver essa moção, sinceramente. Mas acho que agora sou. O vaso que recebia o vinho não é mais um vaso cheio de rachaduras... agora ele sustenta o vinho. Sustenta o outro. Sustenta a entrega. 

Metas para 2022

Pessoal 
Ter uma rotina que contemple mais que minha vida profissional. 
Aprender a descansar. 
Descobrir meu estilo e gostos pessoais 
Me responsabilizar mais por mim: pelos meus sentimentos, meu corpo e pela minha vida 
Me expor menos; me colocar menos em situações que não me sinto confortável 
Ser mais receptiva à frustrações, rejeições e negativas 
Dar coisas que não uso embora / ser minimalista 
Entender meu posicionamento político e perspectiva de mundo 
Escolher minhas lutas e projetos (em todos os aspectos, inclusive com pessoas). 

Social 
Convidar meus amigos pra casa
Fazer por conta própria as festas de fim de ano 
Viajar sozinha ou com amigos 
Viajar com meus pais 
Namorar 
Estar disposta a interagir mais com desconhecidos no cotidiano
Fazer amizade com vizinhos 
Fazer amizade com pessoas com a mesma vibe que a minha (assim que que descobrir a minha vibe)
Visitar mais meus avós e primos 
Aprender uma língua a mais que o espanhol (inglês ou italiano??)

Espiritual
Missa diária 
Confissão mensal 
Decorar os terços em latim, inglês e espanhol
Pregar sem falar diariamente 
Dar dízimo 
Fazer acampamento Senior
Me integrar na nova paróquia
Casa em chamas mensal? 

Saúde e lazer 
Procurar os médicos que fico procrastinando pra procurar 
Aprender andar de skate (comprar um?)
Voltar para a Natação ou fazer basquete (fazer exercicio físico diário) 
Comer mais saudável e cozinhar (talvez pedir comida fit?) 
Participar mais de oportunidades culturais: cinema, teatro, palestras, shows (ibilce, sesc, etc)

Financeiro 
Ter minha casa e meu consultório 
Ser totalmente independente financeiramente
Ser mais generosa 

Carreira 
Concursos públicos 
Formação em psicanálise 
Instituto Zoé
Iniciação científica na Letras (descobrir o que gosto de pesquisar) 
Me dedicar mais à escrever 
Visitar produções antigas e transformar em artigos 

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

#17 Sou geógrafo, não explorador

Acho que estou diante de um questionamento que permeia o modelo científico vigente: o modelo médico, da razão. "Sou geógrafo, não explorador". Ainda hoje, no meu contexto histórico, estou diante de companheiros que se enraízam no "penso, logo existo". Não estou dizendo que a razão não seja importante. É muito importante que existam geógrafos. E filósofos, e médicos, e biólogos, e matemáticos. Mas como constatou Kuhn, a ciência é feita de paradigmas, e paradigmas precisam sempre ser quebrados. Não dá pra construir uma vida inteira enraizado em qualquer ideologia racional se o objetivo é viver uma vida bem vivida. A ciência é boa quando serve o ser humano  - e pra algo servir tem que mudar junto. Se não muda junto é falsa certeza. 
Acho que não explorar diz também do péssimo hábito da minha geração de aprender muito passivamente. Não praticamos esportes: ao invés disso assistimos alguém praticá-los através de uma tela de computador. Não passamos perrengues profissionais: ao invés disso lemos artigos científicos a respeito, conversamos com os mais velhos. Não nos entregamos nas relações por medo, não ouvimos, não sentimos cheiro, não tocamos, não beijamos, não abraçamos, não sentimos dor. Não anotamos nossas flores efêmeras. 
Mas aí, quando elas passam, entendemos que elas eram, no fundo, tudo o que importava. "Minha flor é efêmera e eu a deixei sozinha com apenas quatro espinhos para se defender". Mas o planeta era grande demais pra anotar uma flor. 
O empírico parece não ser rebuscado o suficiente, não é chique. Como a gente chegou aqui? O que dá pano pra manga é viver fragmentado. 
Que a gente não permaneça preso na velha máxima da quantidade X qualidade de registrar ou viver... que a gente acorde, que a gente aprenda a valorizar nossas flores...

"Mundo, mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não uma solução. Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasto é meu coração" Drummond 

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Narradora


Uma das minhas coisas preferidas entre os casais apaixonados é quando acontece de eles falarem uma mesma coisa junto, aleatoriamente. Assim como quando pego alguma parte admirando a outra por algum detalhe qualquer ou a cena de um carinho de dedo. Também outras coisinhas mais. São esses pequenos sinais que me denunciam para mim mesma quando eu gosto ou não de alguém.
Se você me conhece em profundidade, sabe que eu não sou a melhor pessoa do mundo em identificar meus sentimentos, muito menos em colocar eles em palavras. Que demoro bastante pra viver meus processos. E que me assusto fácil. Mas provavelmente você não sabe nada disso porque estamos na superfície, aquela em que eu correspondo à demanda e mando muito bem. 
Recentemente eu tenho pensado muito a respeito das minhas perspectivas amorosas. Eu acho que elas estão enroscadas no mesmo nó que empaca minha vida financeira e que é bastante coerente com a moção da maturidade e do espaço. Na missa dessa semana, o padre lembrou da dignidade que Deus dá ao ser humano quando o convida pra comer com ele. A última ceia é a ceia de todos os dias. O padre me lembrou que eu tenho um lugar de dignidade e que só posso ser humana e fazer parte dos planos de Deus se ocupo esse lugar. E eu não tenho ocupado. Minha alma tem se abatido e entregado os pontos. Viver é um risco, e em qual aspecto da vida vale a pena se arriscar? Acho que antes de mais nada, por mim.
Antes, achava que não tinha espaço na vida dos outros, mas, na verdade, sou eu que não o ocupo. 
Ontem cantei a oração pela familia pro Gabriel e pra Amanda. De novo cantando pra eles, na minha igreja. Não sinto que seríamos uma boa dupla, eu e ele, e verdadeiramente me alegro por eles, principalmente por ela. Mas algo continua batendo em mim. Ainda continuo vendo o pedido de namoro exatamente no lugar em que eu queria ser pedida em namoro. Com os olhares. E as palavras conjuntas. E os carinhos de dedo. E me sentindo inexistente.
Hoje é aniversário da Paula, e por causa dela eu ganhei um sorvete na pracinha do mc damha. Eu disse que estava triste. Ela disse que a vida era difícil mesmo. Acho que entendi dessa vez. Eu fico ignorando isso ha muitos anos, deixando com que decidam por mim, me deixando ser o que querem que eu seja. Nisso eu perdi o João, o Gabriel e o Vi. E muitas outras pessoas, situações e momentos. Então ela disse que algo em mim mudou há algum tempo, mas que não percebi. A inocência. Tinha perdido também. Mas isso não significava deixar de sonhar com o amor. Aquele por quem me entregarei. Pelo contrário. Eu tinha espaço e estava crescendo. Eu não era mais a menina que deixava o Gabriel ir, mesmo ainda sendo a mulher que vivia como ela. 

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Flerte contemporâneo

Hoje eu abri o tinder depois de um bom tempo de ter conhecido você e fiquei passando as fotos. Comecei algumas conversas, mas todas me desanimaram muito. Lembrei que no começo nossa conversa também me desanimava bastante. Algo mudou pra mim porque eu vi algo em você. O que será que foi? Eu me pergunto como as coisas mudaram, porque não teve um momento ou uma hora mágica. Era você e você... e então era meu pensamento em você. Eu me pergunto também quando foi que vc começou a me achar um porre e eu comecei a ocupar o lugar que ocupo hoje. E o que faz eu ainda querer estar com você, quando você claramente não quer. Claramente não pode me tratar como na primeira vez que saímos. O que mais me frustra é que não dá pra saber o que esconde uma conversa no tinder. Uma conversa banal pode evoluir? Ou aquela pessoa é simplesmente banal? Eu conseguirei encontrar outro match como você? 

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Desafio 8


(Uni)verso

Eu não me lembro como a gente se conheceu. Parece que ele sempre esteve presente, porque habita todas as minhas lembranças felizes. Moramos no mesmo prédio, ele era meu vizinho de cima. Sempre ouvi por tabela o rock da madrugada e todas as brigas com a irmã. Quase toda a manhã, durante os anos que a gente ia pra escola, dividimos o mesmo elevador e a mesma van. Ele estava sempre com a cabeça enfiada numa revista em quadrinhos, chupando chiclete de melancia. Eu sabia o sabor porque o cheiro era forte, ocupava o ambiente inteiro. Ele me dava bom dia, com aquela voz de sono engraçada e os cabelos bagunçados. Aposto que nunca penteava. Ele sentava no último banco da van e ia lendo. Nada tirava sua atenção, nem as bolinhas de papel que os meninos jogavam uns nos outros. Na escola, éramos de turmas diferentes, a dele ficava na frente da minha. Eu escolhia a primeira carteira porque dela dava pra ver o canto da sala que ficavam os gibis. Eu precisava ficar prestando bastante atenção para olhar nos momentos certos, mas era certeza que ele viria. No intervalo, vez ou outra ele me dava a vez na fila da cantina. Por causa dele, às vezes eu conseguia pegar o picolé de groselha. A gente andava de bicicleta na mesma turma e brincava de mamãe da rua.
Quando me mudei, senti saudade. Era como se meu universo perdesse um pouco a disposição de funcionar. Nisso, ganhei meu violão. Foi a sorte. Comecei a tocar rock. Mas só os títulos tristes. E o nome dele ficou gravado em mim.
Cris. 

(In)verso

Quando eu penso no Cris, um dos pensamentos que me vem com frequência a cabeça é de como seria se eu não tivesse me mudado. A gente teria se aproximado? A gente teria crescido na mesma sintonia? A gente teria vivido uma história de amor? Sempre tive essa mania boba de me perder no "e se", como se existisse uma história secreta atrás de uma porta que não pude acessar. A história que existe eu não conheço, não faço parte dela. E é sempre por essas tantas que me pergunto como ele está.
Imagino muitas suas versões, uma mais surpreendente, outra mais diplomática... mas todas com o mesmo gostinho amargo de impossibilidade nas possibilidades. A minha favorita, claro, é aquela que o hobbie de leitura virou paixão e meta de vida: Cris como universitário em curso de artes, desenvolvendo um projeto alternativo de quadrinhos. Gosto de imaginá-lo morando sozinho, mas sempre recebendo os amigos em casa, com um gato gordo e peludo, meias espalhadas pelo chão do quarto e melancia na geladeira. Talvez duas ou três plantinhas na sacada, pra fazer companhia pra sua criatividade noturna.
Eu me pergunto se ele pensa em mim como penso nele.. ou de alguma outra forma. Se ele também sente a inocência e nostalgia que eu sinto ao lembrar do seu rosto, do seu cheiro e do seu sorriso. 

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Do outro lado de WonderLand

Demorou um tempo até que o autor percebesse do que realmente se tratava aquela história. Ele estava completamente por fora. Por anos. E era o único que não percebia. Assim como não é possível entrar luz em um quarto escuro quando uma janela não está aberta ou quando o interruptor está virado para o lado errado, não é possível enxergar qualquer coisa se não usamos nossos olhos, ainda que o sol esteja muito brilhante no topo do céu. 

Esse narrador em questão, narrava de olhos fechados. Quando estamos de olhos fechados, a gente sempre, sempre acha que o escuro é a única possibilidade. Mas nosso corpo reage, ele sente luz... e bem lá no fundo, ainda que a gente não veja, a gente sabe que não é só isso.. e sabe que podemos abrir os olhos. A menina que admirava Alice, no fundo sabia que o Chapeleiro a observava... ora fingia que não, ora realmente imergia na fantasia de que não sabia... mas nada podia mudar os fatos. 

Não foi apenas a perpectiva do autor sobre aquela história que se transformou e nos trouxe até aqui. Na verdade, o mérito é coletivo, de todos os personagens, juntos. Não dá pra saber de verdade quem deu o primeiro passo, mas há um palpite que ele tenha surgido do Chapeleiro. Porque a história inteira só é narrada quando ele decide olhar para a menina..., ainda que camuflada em cores preferidas, camisetas listradas, guarda-chuvas de precaução... e olhá-la a partir de seu olhar. 

Deveria ter começado pela quase Alice, eu suponho. Se ali tivesse começado, talvez não existisse Chapeleiro ou autor... mas não foi possível. Era preciso um olhar que viesse de fora para dentro... talvez dois olhares, pensando melhor... e a quase Alice não sabia ser esse olhar que se via por inteiro para então ver o que estava fora. 

Mas sua rotina mudou... e a convidou a mudar junto. Pela milhonésima vez. A vida sempre a convidava, mas ela rejeitava, porque era um convite do sol, que a tocava, mas que ela não via. Ela tinha medo, medo de aceitar o convite e de... se quebrar. Em vários pedacinhos. Mais pedacinhos? Ela já tinha vários... tentava colar um no outro, sem sucesso. E não entendia que o convite era um remédio, não um veneno. 

Até que se viu dentro da proposta. Não se lembra de ter aceitado nada, só se viu ali. Se sentiu empurrada... mas um empurrão necessário, não invasivo. O empurrão do Chapeleiro que a observava. E do autor. Mas o Chapeleiro tinha mais propriedade de olhar, apesar do autor ter mais lugar de fala. A vida, com sua docilidade, foi lhe propondo que, de suas estruturas provenientes de cacos colados, se fizesse uma massa flúida e homogênea, como vários cubos de gelo que derretem ao serem retirados da geladeira. Se tornam um. A vida parece cruel, mas não é. O que chama pra morte, é uma mera tentativa de homeostase e o que chama pra vida é falta. Quando ela viu que podia endurecer de modo indestrutível e se desfazer para alcançar novos lugares, sem deixar de ser água, a quase Alice abriu os olhos. 

Então o autor descobriu seu segredo. Não era que ela não enxergasse o Chapeleiro, ela tinha medo de perceber que havia alguém que a observava, a contemplava. O Chapeleiro sabia, mas ele estava no futuro, então não era um problema para os participantes do presente. Mas pro autor foi um grande impacto. A quase Alice tinha medo de se surpreender com seu Chapeleiro... ainda que soubesse o quanto essa ideia era incoerente, já que o elemento surpresa precisa do desconhecido, e ela achava já saber de tudo do que ele via... será? Será que ela não se espantaria com a profunda beleza que o Chapeleiro via nela? Com seus mais minunciosos detalhes, suas manias, sua verdade... a intimidade de suas entranhas? Será que não era difícil aceitar essa beleza do outro? Será que ela não desejava ardentemente por isso? Era melhor que não visse, porque se entendesse o quanto era valorosa para si mesma, não suportaria a dor de não estar nesse lugar para os outros...

O que nós transporta diretamente para o problema de Wonderland. Seu Wonderland, seu lugar preferido no mundo, seu HeadSpace. Por lá a quase Alice se encantava com a selvageria da folhagem, com o ofuscamento das muitas cores, com as trepadeiras entrelaçadas que, em sua confusão, delimitavam um caminho de tijolos... ela caminhava, pacientemente, colocando um pé depois do outro, sempre pelo mesmo caminho... em dias de sol, em dias de chuva... ela tinha carinho pelo seu lugar... e, por mais que sentisse cansaço, não deixava de caminhar, de ir além da guarita do condomínio ou da catraca da faculdade que estavam em lados opostos de Wonderland, trilhando o caminho dia após dia. O caminho encantava... e sempre havia mais e mais para explorar e descobrir.

Conforme a quase Alice ia sendo derretida, Worderland se distorcia... não! Na verdade ele deixava de ser distorcido, mas para ela era o movimento inverso porque era esquisito.. e dessa contra distorção, Wonderland se aprofundava... parecia que se expandia em qualidade, ainda que simplesmente não crescesse ou diminuisse. Tinha bebido a garrafa do beba-me e comido o bolinho do coma-me e tinha mudado. Mas ao mesmo tempo era exatamente o mesmo lugar. 

A menina continuava brincando de ouvir, principalmente o vento. Ele a chamava a voar sem tirar os pés do chão. Ouvir agora era sua profissão, e a cada dia se sentia mais refinada no ofício. A vida dizia: olha, agora você já dirige, tem seu carro, seu próprio rumo... mas ela discordava. Ainda andava a pé. Estava longe de dirigir alguma coisa.. quanto mais ouvia, mais se distanciava da pretenção de motorista que parecia tão necessária para alguém que não sabia quem. 

Um dia, indistinguido entre vários outros, ao caminhar por Wonderland, a menina viu um gato. Ele espantosamente circundou o limite do muro e sumiu de suas vistas. A quase Alice se assustou... nunca tinha pensado sobre as bordas de Wonderland. Teria um avesso? Não sabia, mas, de súbito, quis descobrir. Se o gato podia, como ela não poderia? E correu até onde o tinha avistado pela última vez. 

O muro era longo, em todas as suas dimensões. Ela correu por muito tempo. Por uns dois anos quase, pelas contas do autor. Enquanto corria, via o clima mudar, os sapatos se gastarem e as flores florescendo, cada uma no seu tempo... todas com a mesma capacidade de deixar sua identidade e presença na natureza de algum modo... ela via muitas coisas.. e estava sempre sorrindo enquanto via... via várias Alices que não eram ela e que ela não era... a sua nutricionista, sua filha imaginária, a personagem do seu livro que nunca começou a ser escrito, a atual do grande amor da sua vida... e, quase sufocada pelo ar gelado que entrava pelas narinas e descia pelos pulmões... a do país das maravilhas.

Quando parou, estava inerte. O muro não tinha acabado, mas ela sabia que a parada era ali. Bem no meio do nada havia uma árvore e vários pequenos montinhos de tulipas azuis e alaranjadas. Essas flores não tinham certezas e não a deixavam inquieta... todas existiam sem ser nada, sem nem mesmo serem flores, e era o não ser que as faziam tão lindas e chamativas... ao redor delas tinha um milhão de borboletas que voavam entregues e tranquilas, e ela podia sentir cheiro de amor... aquele cheiro de abraço apertado, de café com negresco, de água salgada, de melodia. 

Chegou perto da árvore. Notou que as pétalas dessas flores não grudavam nos pés, elas encostavam e desencostavam, suavimente em seu corpo, quase que lhe fazendo um carinho. E, bem debaixo da árvore, ela viu estendida uma toalha... uma toalha de piquenique. Era listrada, como a maior parte das suas blusas, só que era também muito colorida... o amor era colorido daquele jeito. E dava a impressão de que as listras eram portas, não somente listras... portas elásticas, que ela podia abrir, entrar experimentar e sair. Ela notou que também era uma grande porta, mas sem listras, multicolorida. Suas cores dançavam caotica e ordenadamente pelo seu corpo, misturando-se e permanecendo individuais, como uma grande festa. E conforme dançavam seu corpo ia se energizando, brilhando, brilhando, brilhando... um brilho extremamente forte e reluzente, que se apoiava em seus olhos abertos. Ali se deu conta de que estava do outro lado de Wonderland. 

No avesso de Wonderland. 

E se deu conta de que não havia avessos. 

Um grande som ecoou no céu. Era um som de guitarra combinado com gritos. Pouco a pouco, como um se um pincel mágico varresse o cenário, tudo foi se tornando verde musgo. E agressivo. Começou a chover, primeiro pingos brandos, mas rapidamente uma tempestade. Com raios e tudo o que tinha direito mais. Ao mesmo tempo, começou a nevar. Algumas gotas desciam brancas e pastosas, outras sólidas, em pequenos cubos de gelo e outras em água. Todas em diversas espectros de verde musgo.  Ela ainda brilhava, só que agora era um brilho sombrio. Era ela, mais do que nunca, no seu mais verdadeiro estado de existência de não ser. Do meio da luz, contemplava seu segredo. Quanto mais selvagem e molhado, mais belo. Ela amava aquilo tudo, sua alma engaiolada, agora vomitada, trépida e translúcida. Era uma honra e um prazer se ver. 

De uma poça de água, viu seu reflexo. Sorriu, pois não era a si mesma que via, era a imagem de uma garota de chapéu. Uma garota que também sorria e que sorria um sorriso seu. Ela começou a contemplar seus detalhes... seus olhos castanhos e ternos e mãos fofinhas, o cabelo escorrido, os peitos fartos, a papada.. as estrias eram brechas para o interno, e através dela pôde tocar suas dores e memórias, suas perspectivas e ideais, sua intensidade e sua bondade. O mais bonito, notou Alice, eram sua transparência na poça que foi dispersando, disperçando e disperçando... pelas lágrimas quentes que Alice sentia cair nas bochechas.. até que desapareceu completamente. 

Piscou. Tudo sumiu, Alice só via o gato. E ele a via também. Estava sentada, com as mãos sujas de terra, apoiada na sarjeta da rua de sua casa. Wonderland não era mais só seu. Não era mais seu segredo.  Havia um gato. Isso a emocionava. Meio que entendeu que nunca quis que fosse segredo. Existem 2 motivos pelos quais alguém guarda segredo de algo: 

1) Não querer que alguém descubra 

2) Não ser algo relevante o suficiente para se contar. 

Aquele gato a fazia sentir que suas postulações não importavam. Agora ela meio que queria que não fosse segredo. Então pensou: "Havia alguém me olhando... alguém como esse gato. Alguém me olhava quando eu mesma não podia... alguém com um chapéu engraçado. Esse olhar me salvou".

E sentiu uma profunda paz. 

(De Ana Beatriz para Bia, Ana, Ab e Triz)