sábado, 4 de junho de 2022

Aprendiz (II)

Eu me entreguei pela via do concreto. Confesso que não pensei que seria esse o meu caminho, já que meu universo foi sempre o do abstrato. Eu me entreguei aos trancos e barrancos, igual quando me obriguei a vencer a fobia social sem nem mesmo nomeá-la. Não tive nem certeza se era entrega das primeiras vezes. Não era. Porque quando foi, eu soube. E eu me entreguei primeiro pelo desejo. O desejo espelhado, bidirecional... o aprendizado do toque, do olhar, do cheiro, das formas... essas coisas que me ensinaram como desvios. Solitária e particular, como a fome que dá pra matar, uma intimação pra guerrear. Um caos, uma desordem. Uma onda gigante. 

Depois eu viajei. Pra fugir da possibilidade de desencontrar a única pessoa que de fato me fazia sentir viva, com suas mãos enrugadas e papo cabeça que desafiava o pouco estudo. Existem países com 2 capitais, tipo a Turquia. Entendi que o concreto era mais que me mostrava, tinha outras facetas. Era carinho. Era música e cor. As cores mudavam quando eu ditava, e a playlist era do gênero que eu preferisse. O concreto era contato.

Então aprendi a dar. Eu dei meus limites,  dei muito além do que podia. Até o nascer do dia. E descobri que eu ficaria mais uma vida, mas não fiquei. O que era fome de guerra, de conquista, se fez reestruturação de territórios, de nomenclaturas nunca aclaradas. A entrega não pede mais que o tempo presente. 

Antes eu testava o quanto podiam usar dos meus oferecimentos. Mas, de repente, me afogando entre muitos gostos.... em um recorte sincrônico eu encontrei um ritmo. O que ofereci foi real, não pré programado em um molde antigo. Ofereci completo. E gostei. 

Eu soube que era o que é quando meu coração foi convidado, de forma cortez e à minha altura, a se abrir. Enxerguei pela primeira vez que não havia barreira, porque ainda que a gente fosse diferente, um não era melhor ou pior que o outro. Cada detalhe derreteu o gelo dos traumas, dos medos, das dores... cada encontro foi brisa, suave, suave... envolvente... e cada segundo foi sorte. Como uma visita em um ponto turístico diferente, daquelas que planejar ver tudo é besteira... tem que se deixar viver... e mais do que dar, o meu entregar foi receber. Aprender a receber e se arriscar a perder... o concreto e o abstrato se beijaram, e eu encontrei na falta do outro a minha linguagem... nem sempre são músicos que entendem músicos... a arte de amar não se restringe.. 

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