quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Doces x Salada: o amor é um prato esquisito

Algumas semanas atrás eu fui à uma consulta com uma nutricionista, depois da minha mãe encher a porra do meu saco por um longo período de tempo. A atitude não partiria de mim tão cedo, e isso ficou claro para a doutora quando, ao entrar na sala, eu fiz uma lista de perguntas desconfiadas e muito ferrenhas. Eu não estava satisfeita com meu peso porque ele dificultava bastante alguns básicos da minha saúde (e eu parei de me esconder atrás da zona de conforto da desconstrução do padrão social, porque, apesar de ser gorda ser um ato de rebeldia, talvez não fosse apenas uma questão de ideal de beleza mesmo). Ainda assim, na minha cabeça, não fazia sentido ter que abdicar de uma cultura de prazeres que eu passara uma vida construindo, baseada nas comidas mais calóricas e deliciosas que eu tinha cuidadosamente classificado no meu coração. Simplesmente não fazia sentido reeducar minha cabeça e paladar, para que "gostassem de gostos que eu nunca gostei" e "desgostasse dos melhores gostos que eu já provei" em prol de um futuro "saudável". A palavra saudável me incomodava, mas futuro incomodava ainda mais, porque o que importava era o agora. Morrer pelas consequências do prazer em comer seria mesmo pior que levar uma vida regada à "salada à vontade"? Não. E pior, qual a garantia de que uma alimentação saudável me daria mesmo mais tempo de vida? - minha experiência empírica mostrava que nenhuma, pois minha avó materna ia ao médico toda semana e acabou com um câncer horroroso que a levou embora em menos de seis meses, enquanto o hábito de fumar do meu avô que existe há mais de trinta anos ainda não destruiu seu coração, que bate firme e forte. Talvez a resposta que recebi a respeito da primeira pergunta não tenha sido ruim. "Você precisa mudar seu foco de prazer", disse a doutora. "O mesmo hormônio liberado quando você ingere uma comida gostosa é liberado quando você pratica exercícios, com a diferença de que nos exercícios é preciso mais tempo (e paciência) para liberá-lo". Ainda assim, a falta de motivação continuou latente, já que o controle da vida não é exatamente meu e o trabalho de prevenção me dá muita preguiça. O ponto, entretanto, de toda essa lenga-lenga, não é se eu achei o papo com a minha nova nutricionista interessante ou convincente nem se vou ou não fazer uma tentativa de reeducação alimentar em breve. O ponto é que toda essa problemática me fez refletir que algumas pessoas são como doces para nós e, outras, como salada. 
As pessoas doces são apaixonantes. É fácil amá-las. Elas são bonitas, tem uma embalagem chamativa. Quando provamos da sua companhia pela primeira vez, é como se as estrelinhas no céu brilhassem dentro do nosso estômago. Em pouco tempo, se tornam viciantes, a cada adeus um gostinho de quero mais. A vontade de mergulhar nessas pessoas é gigantesca e incontrolável. De repente estamos imersos e não sabemos como aquilo aconteceu. Apesar de doces, com o passar do tempo, essas pessoas se tornam veneno. Elas sugam toda sua energia e você deixa de existir. Você parece perder o seu sabor. Elas não são tóxicas por si mesmas, mas você as tornou tóxicas. Muitas vezes, pessoas doces precisam ser abandonadas abruptamente.
Já pessoas que são salada, não parecem tão atrativas de início. Elas podem ser de folhas, de legumes, de grãos... podem aparecer de várias formas. E aparecem sempre em camadas, não dá pra olhar pra todas de uma vez. Podem ter texturas diferentes, e a diferença de suas texturas, por serem desconhecidas, assustam ou provocam algum tipo de preconceito. Muitas vezes, precisam de tempero até que nos acostumemos com seu sabor característico, forte. Algo, contudo, que chama a atenção de primeira são as cores. Pessoas saladas são coloridas - e, a cada refeição, se olhadas com atenção, é possível que se enxerguem mais e mais tons. O mais interessante dessas pessoas,  porém, é que são saudáveis. Tiram a gente da nossa zona de conforto, impõe limites, dialogam. Mas não ocupam o centro da nossa vida - o centro do nosso prazer foi tão deslocado para exercícios físicos que, tadã: o prazer de comer foi ressignificado. Pessoas saladas são pessoas que ficam. 
Nada impede, por acaso, de uma pessoa doce ser bem compreendida e ocupar o seu lugar no dia-a-dia. Fim de semana sempre chega e com ele chegam as festas de aniversário das crianças da família, não é mesmo? 
O amor é um prato esquisito. 

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