domingo, 26 de agosto de 2018

Você não precisa carregar o seu passado com você, já existem marcas

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"Você não precisa carregar o seu passado com você, já existem marcas", foi o que a Renata me disse em uma das nossas últimas sessões. Foi uma frase tão libertadora que eu demorei dias até processá-la, na fila do xerox, papeando com uma veterana desconhecida. Eu estava praticando a minha nova técnica de fazer tudo cautelosa e pacientemente, sem controlar muito as coisas ou fazer tudo para riscar metas - o que tem como consequência um tempo dobrado para realizar qualquer tipo de tarefa. Então ela começou a me contar da experiência dela no estágio no Hospital de Base. Enquanto eu ouvia ela falar, foi como uma cena de filme daquelas em câmera lenta. Hospital, hm? De repente, eu me vi na frente do espelho do meu quarto, me apreciando de jaleco. Não era a educação, nunca tinha sido a educação. Eu sabia, eu sempre soube. A educação me frustrava e me deixava triste. O hospital, apesar de ser um lugar que muita gente não gosta de estar, parecia pra mim um lugar cheio de esperanças. Não era mais como a sala de aula, eu não precisava vender um peixe que meu cliente não queria comprar. Pelo contrário, eu podia ser útil. Eu faria o bem sem precisar implorar por desejarem isso. E eu realmente acreditaria naquilo. Acreditar na educação tem sido quase que uma oração diária de súplica.
Se eu me arrependo de ter cursado pedagogia? Não. Foi necessário para que eu chegasse até aqui. Havia um buraco na minha formação em psicologia que eu precisava preencher, por isso, não me arrependo da minha decisão. A pedagogia parecia ser um lugar confortável de se achegar, pois eu conhecia tudinho. Eu sabia o que esperar, uma família de professores me fez acreditar que talvez aquela fosse uma porta interessante, algo em que eu pudesse ser realmente boa. E, o ponto crucial e profundo que ecoou naquela frase era que estava tudo bem deixar a escola para trás.
O Ministério Ruah tem me feito crescer como nunca cresci em toda a minha vida. Eu não sabia que eu podia mesmo ser líder, apesar de sempre o ter desejado. Eu me lembro bem da conversa assustadora que tive com a Aline, a missionária da mágoa, quando fui escolhida para liderar no FAC4. Eu não sabia que ser líder exigia tanto esforço, que era uma missão. Não sabia que ser líder significava morrer para o meu próprio orgulho na tentativa de ser humilde, ter todas suas limitações expostas e ser levada a caminhos estreitos. Não sabia que era possível entrar tanto na particularidade das minhas meninas, desejar a vitória de alguém tanto quanto a minha ou desejar retirar a dor de alguém e colocar sobre os meus ombros. Apesar de tudo isso, o Ministério Ruah e todas as atividades da casa de retiros, como o GOVE, tem sido uma extensão do colégio que eu nunca pude deixar. 
O ministério da Santa Cruz foi onde tudo começou. Eu peguei um microfone ali, pela primeira vez. Eu compus e cantei um salmo ali, pela primeira vez. Foi ali que acreditaram em mim, quando muitos não acreditavam. Eles me deram oportunidades que eu nunca teria. Mas hoje, hoje eu não sou mais aquela menina que tinha medo de um microfone, que não sabia regular o som, ou que gaguejava para conduzir uma missa. Esse final de semana eu cantei dois salmos, sozinha. Um deles, ao vivo para a rádio canção nova e para o facebook; outro, para dar suporte à Marcela, porque eu posso dar a segurança que antes eu nem tinha ao grupo de música que um dia Deus colocou no meu coração como um sonho dele pra mim (pra nós). Hoje eu sou a única pessoa do ministério vamos na fé que reza o terço antes da missa. Eu não sou mais aquela Ana Beatriz que desviava o olhar, que chorava e deixava que o medo a paralisasse. Eu não sou. 
E então eu finalmente entendo, com suavidade, que tudo bem deixar coisas, porque elas não desaparecerão da minha história. Não é preciso "devolver" a lealdade, apenas é necessário gratidão. Coisas boas dão frutos, ou, pelo menos, deixam marcas. Não é preciso que eu as carregue.
Cristina Yang, minha personagem favorita de Grey's Anatomy se despediu da série hoje, no episódio 10x24. Ela foi deixada no altar pelo homem que amava, na 3º temporada. Doeu, ela chorou. Ela ficou na casa dela, em meio a bagunça dela. Mas Cristina Yang sabia quem era e não abriria mão disso por nada. Ela salvou o marido da melhor amiga dela de uma bala, teve dúvidas da sua vocação e se permitiu chorar com um peixe nas mãos. Ela foi vítima de um acidente horrível de avião. Ela imprimiu um coração e perdeu um prêmio importante por pura política. Ela aprendeu a respirar. Yang tinha um sonho e, ao olhar para esse sonho e perceber que precisaria deixar tudo para trás, ela deixou. Ela "terminou" coisas - com a Meredith, com o Owen, com o hospital... com Burke. E deixou que terminassem coisas por ela - a cirurgia do Link.
Talvez amanhã não seja mais nada disso, e tudo bem.
Nada é definitivo. 
Mudanças não são boas nem ruins, mas necessárias. 
Alguns moldes não cabem mais. 
Isso significa que crescemos. 

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