sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O beijo do dementador

Quando eu li Harry Potter e o prisioneiro de Askaban pela primeira vez, a cena do beijo do dementador no trem foi muito marcante. Mas que aterrorizada e assustada, ela me fez sentir medo. Medo de verdade, como poucos livros na minha adolescencia me fizeram sentir. Abre parentesis. Palmas para a monstruosa habilidade de J.K. Rowling de transcrever o mundo bruxo para o papel, que convenhamos, é bem parecido com o mundo trouxa... somos trouxas mesmo, por não enxergar o que está bem na nossa frente. Fecha parentesis. Ao reler o livro algumas semanas atrás, senti o mesmo durante a leitura da cena, mas com um olhar de maturidade. Apesar de não ser exatamente expert em enxergar, consegui canalizar bem os meus sentimentos. Quando criança, eu achava que tinha medo dos dementadores porque eles eram monstros pretos horríveis que lembravam fantasmas. Daqueles que a gente fica com medo de vir puxar o pé de noite. Mas, na real, eu tinha mesmo era medo da apatia. Eu tinha medo de saber que, em algum lugar, havia um bicho que roubava de mim minhas memórias felizes e deixava tudo frio e vazio... que deixava tudo oco. Semanas atrás, quando as palavras pairavam pelo ar, eu entendi que dementadores são reais. Podem não existir como monstros feios que a gente enxerga e fica longe, mas existem dentro e fora de nós, de formas abstratas que muitas vezes deixamos passar.
Minha quartaquinta-feira durou 48 horas. Eram umas duas da tarde quando recebi uma mensagem da Mari, dizendo que sua mãe tinha falecido. Senti o coração apertar, a garganta fechar, a voz sumir. Que merda. 12 anos de luta esfumaçados em uma manhã de quarta-feira. Ser amiga da Mari me trouxe muito crescimento e muitas lições. Uma delas foi a empatia. Quando a conheci, minha avó era viva e saudável, e eu subestimava a dor da morte. E então minha avó foi embora e eu pude acompanhar as lutas da família da Mari bem de perto. A morte da minha avó ajudou a entender um pouquinho da sua dor. Que merda.
Passar uma madrugada inteira em um sofá de velório me fez tocar meus dementadores. As horas se arrastavam numa lentidão impressionante - os minutos pareciam uma goteira sem fim: ritimados, constantes, pesados.. enxendo um balde que terminaria entornando em um momento ou outro. E, foi quando a Mari se sentou bem no sofa da minha frente onde o namorado estava deitado, com os dedos finos e brancos quebrando pedaços de chocolate e levando a boca, que uma coisa queimou profundamente em mim. O remedio para o beijo do dementador era doce...
Caminhar dói e é amargo. Mas é doce quando percebemos que não estamos parados, fingindo que nada esta acontecendo, que não sentimos, que não somos humanos.... mesmo amargo, é doce.

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