sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Acho que ouvi falar...

Todo ano, desde que eu tinha uns 12 anos, minha mãe constrói um projeto com os alunos da turma dela a respeito dos ipês. O projeto consiste em acompanhar, através de observações cotidianas (casa, escolha, espaços de lazer, etc) e registros (fotos, desenhos, relatos orais), o florescer gradual dos ipês. Esse tipo de árvore, que agora substituiu o pau-brasil como símbolo do nosso país, tem um comportamento peculiar: a cor de suas pétalas determina o periodo do ano em que florescerão. Algumas cores florescem uma vez ao ano, outras duas. Mas a gente florece o tempo todo. A proposta da minha mãe, além do trabalho com meio ambiente, é vivenciar com as crianças que cada ser tem seu tempo, suas cores e potencialidades, sua maneira de ser (alto ou baixo, por exemplo). No mês de agosto, os Ipês que florescem, são os amarelos.
Pronta para fotografar, fomos caçando as árvores pela cidade dentro do nosso carro. É sempre um prazer e uma surpresa estar envolvida com projeto. Durante nossa busca, trilhando o percurso sem muita direção, me peguei pensando o quanto é engraçado como os ipês se fazem ver quando floridos. Existem um milhão deles, em lugares que cruzamos o tempo todo. Mas parece que, quando não estão floridos, são invisiveis. Interessante os ipês.
"Ainda que falassem a língua dos homens, que falassem a língua dos anjos, sem amor, eu nada seria" I Cor 13, 1. Nessa semana, Deus tem ministrado no meu coração a respeito da escuta, e eu tenho me sentido um ipê florido por dentro, ao tempo que pelado por fora. A minha futura profissão tem muito a ver com escuta. Quem não escuta não sabe responder. E eu tenho o péssimo costume de responder antes de ouvir. A fala do outro é um jogo de significado singular, muito complexo. O outro é um mundo, e a fala do outro é a janela por qual vemos esse mundo - e, portanto, carrega toda a existência dele. Quem fala, quer ser acolhido e devolvido em compreensão, não respondido.
Desde que me decidi ser inteira, me deparei com o silêncio da escuta. Esse silêncio me pareceu interessante de início, mas logo passou a ser duro. Eu pude, verdadeiramente, me debruçar sobre a questão do fazer psicologia: "a finalidade do psicólogo é a escuta". Por muito tempo, eu não entendi o que isso queria dizer, pois, se não havia resposta, para mim não havia escuta. Que surpresa a minha ao perceber que o jogo era o inverso! Quando há resposta fácil, é necessário duvidar da escuta. Quem escuta o outro, precisa se despojar de si, e isso não é fácil. Por isso que psicólogos estudam. Não é simplesmente ouvir cotidianamente, e uma forma arbitrária. A escuta psicológica é uma escuta clínica, com intenções e profunda entrega ao outro. Não se faz o tempo inteiro.
Sempre haverá o que não saberemos ouvir.
Sempre haverá o que precisaremos aprender.
O silêncio, como meio desse despojar-se, provoca. Como é difícil perceber que o outro é um ipê florido e nem sempre me chama atenção.
Quem caminha pelo silêncio, antes de ser capaz de ouvir o outro, escuta a si mesmo. Como é estranho ouvir a si mesmo e perceber-se com tantas flores... mas pelado aos olhos dos outros...!
Vejo a minha frente um longo caminho a percorrer - caminho esse sem fim aparente. Aprender a arte da escuta é mais que mergulhar no florescer do outro. É mergulhar e acompanhar-se no próprio florecer. E que enxergue quem quiser parar pra apreciar, fotografar, pra ver...

(e poucos o fazem... costumamos chamá-los de amigos).

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