sábado, 9 de abril de 2016

O girassol e o poeta

O poeta solitário anda perdido pelas ruas cobertas de folhas. É o dia em completa outonos ao invés de primaveras, (outonos singulares e singelos como seus pensamentos sem filtros). Os olhos cansados percorrem a multidão sem cores e sem rosto. Vem o nó na garganta. Então ele entra num beco estreito e cinza, onde cruza uma portinha esverdeada com um sino, meio gasta e barulhenta. Fica lá alguns minutos, tagarelando com as mãos velozes de frente para um robô. Sai com um pacote orgânico miúdo e espesso, dos raros, que enfia no bolso do short. Caminha até o trevo da morte, deserto e esquecido, onde sol brilha forte, e assim mesmo não é suficiente para iluminar toda a escuridão que carrega. O poeta não se esconde ou foge. Ele vê um ponto reluzente no meio do nada, antes que o ponto reluza. Assim, se agacha na terra suja e se apoia em seus joelhos quadrados e tortos. Sente a frieza tocar suas mãos e passar por suas entranhas. Joga as sementes nos buracos, como joga os sentimentos no papel, empurrando depois toda a terra de volta. São sementes de girassol, grandes e listradas, naquele mesmo formato achatado e deformado das cabeças das pessoas a quem escreve. O poeta sacode as mãos e em seguida sacode o corpo inteiro. Levanta bruscamente e da meia volta, não olha para trás. As folhas que rodopiam na brisa calma formam um coro de vozes harmonizadas que sussurram palavras belas em seu ouvido. Ele agradece. Talvez, dali a algum tempo, os girassóis emanassem a energia e luz que o trevo não conseguia mais retirar sozinho do sol. Talvez, dali algum tempo, alguém notasse que no meio de muito concreto, havia um pedacinho de terra com uma flor. Talvez, dali algum tempo, alguém acompanhasse o giro do girassol, assim como ele acompanhava o giro da luz. Por um instante, o poeta desejou ser uma semente de girassol. E no instante seguinte, se deu conta que talvez já fosse.

(De Ab para Jm)

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