sexta-feira, 15 de abril de 2016

Goés - A Lua Invisível #1

25 de julho de 1760
Por meio desta nota sem sentido e sem destinatário (escrita na penumbra do meu aposento escuro com a ajuda da pena de ganso rara que preservo como herança de meu finado pai), venho relatar o momento memorável e revolucionário do qual fiz parte no decorrer deste fim de madrugada e começo de dia. Um cometa nunca registrado anteriormente (segundo minhas fontes mais que seguras) aconchegou-se pertinho do planeta terra e cruzou os céus bem na frente dos meus olhos, enquanto eu observava a imensidão do universo em minha insignificante pequenez. O fazia a partir de meu projeto de telescópio, frouxo e mal construído decorrente de alguns materiais que encontrei no caminho de volta de uma de minhas viagens. Escrevo especialmente espantado, surpreso e curioso. Tal cometa não era comum aos outros, mas um espécime brilhante e pequeno, sem forma ou cor específica. A atmosfera parecera distinta de alguma forma inexplicável. Existia então o antes e o depois. O ambiente não era mais o mesmo. O que teria acontecido?
                                                                                                                      R.W. Goés

“Muito bem, permaneçam juntos” ordenou o professor coringa de seu megafone, já do lado de fora, com um cartão de visitas no pescoço e uma das mãos apoiadas na cintura – ele era um pontinho brilhante no meio da multidão. Quase seis da tarde, o sol começava a se por. Para a infelicidade do meu melhor amigo André, estávamos bem para o fim da fila, pouco antes da ponta de trás. Estaríamos mais ao meio, de acordo com o planejado, se a minha habilidade motora fosse melhor desenvolvida e minha mochila não resolvesse ficar presa em uma das catracas da parte trás do ônibus da excursão.
“...se começarmos pelo corredor sete, talvez a gente consiga encontrar o documento que eu te falei sabe? Daquele astrônomo que… ” O discurso de André parecia não ter fim. Ele viera falando por todo o trajeto, sem ao menos parar para respirar. Planetas, estrelas, telescópios, etcetc. Documentos importantes, pesquisas secretas, cientistas malucos e todo o costumeiro blábláblá. Quando não era reconfortante, era chato. E enquanto ele despejava seus anseios nerds sobre meus ombros, eu me perguntava se não estaria melhor em casa. Balbuciei um pequeno e ilustre pedido de socorro praticamente mental e inaudível. Um conjunto de sons, na verdade, que nem pareciam ter intenção de se tornarem palavras. Estava quase que travando uma batalha milenar com a catraca.
“André, dá pra calar a boca por um minuto e vir me ajudar aqui?” Murmurei. Algumas meninas atrás da gente riam. Fiquei irritada, senti o rosto queimar. Então André olhou para trás, como se de repente houvesse retirado capa da invisibilidade que parecia pairar sobre mim. E também riu.
“Ah, foi mal” Desculpou-se. Ajeitou os óculos fundos com os dedos e piscou algumas vezes. Suas sobrancelhas grossas inclinaram-se em direção do topo do nariz. Em seguida, pigarreou. Estava analisando a situação, exatamente como fazia quando não sabia resolver um exercício matemático. Por fim, levou suas mãos pesadas e ossudas ao encontro das alças presas da mochila e desfez a bagunça que eu tinha armado. Foi rápido e pontual – tinha um talento manual inato bastante invejável.
Então André pegou minha mão e me puxou para frente (e a mochila me acertou em cheio por trás). Encontramos as escadas rapidamente, porém o jardim estava lotado. Costuramos o caminho em um trajeto zigue-zague semiprofissional, como se encontrar a porta de entrada fosse questão de vida ou morte. Empurramos e nos enfiamos entre outros alunos, em uma dança frenética e singular (se não estivesse tão concentrada em não tropeçar, teria ouvido uma música zunindo na minha cabeça).  Escutamos murmúrios e reclamações, com alguns tons de voz mais irritadiços que outros. Paramos para respirar em algum ponto, vi-me sem fôlego. Apoiava as mãos sob os joelhos. André não me deu muito tempo. Andamos mais, mesmo que um pouco mais devagar. Foi quando pensei que não tinha mais forças para caminhar que demos de cara com o professor. Notei então que o gramado estava molhado e um robusto e alto prédio amarelo nos fitava, solene.

“Conseguimos” constatou André. “Estamos olhando para o Instituto Municipal de Astronomia”

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