25 de julho de 1760
Por meio desta nota sem sentido e sem destinatário (escrita na
penumbra do meu aposento escuro com a ajuda da pena de ganso rara que preservo
como herança de meu finado pai), venho relatar o momento memorável e
revolucionário do qual fiz parte no decorrer deste fim de madrugada e começo de
dia. Um cometa nunca registrado anteriormente (segundo minhas fontes mais que
seguras) aconchegou-se pertinho do planeta terra e cruzou os céus bem na frente
dos meus olhos, enquanto eu observava a imensidão do universo em minha
insignificante pequenez. O fazia a partir de meu projeto de telescópio, frouxo
e mal construído decorrente de alguns materiais que encontrei no caminho de
volta de uma de minhas viagens. Escrevo especialmente espantado, surpreso e
curioso. Tal cometa não era comum aos outros, mas um espécime brilhante e
pequeno, sem forma ou cor específica. A atmosfera parecera distinta de alguma
forma inexplicável. Existia então o antes e o depois. O ambiente não era mais o
mesmo. O que teria acontecido?
R.W. Goés
“Muito bem, permaneçam juntos” ordenou o
professor coringa de seu megafone, já do lado de fora, com um cartão de visitas
no pescoço e uma das mãos apoiadas na cintura – ele era um pontinho brilhante
no meio da multidão. Quase seis da tarde, o sol começava a se por. Para a infelicidade
do meu melhor amigo André, estávamos bem para o fim da fila, pouco antes da
ponta de trás. Estaríamos mais ao meio, de acordo com o planejado, se a minha
habilidade motora fosse melhor desenvolvida e minha mochila não resolvesse ficar
presa em uma das catracas da parte trás do ônibus da excursão.
“...se começarmos pelo corredor sete, talvez a
gente consiga encontrar o documento que eu te falei sabe? Daquele astrônomo que…
” O discurso de André parecia não ter fim. Ele viera falando por todo o
trajeto, sem ao menos parar para respirar. Planetas, estrelas, telescópios, etcetc.
Documentos importantes, pesquisas secretas, cientistas malucos e todo o
costumeiro blábláblá. Quando não era reconfortante, era chato. E enquanto ele
despejava seus anseios nerds sobre meus ombros, eu me perguntava se não estaria
melhor em casa. Balbuciei um pequeno e ilustre pedido de socorro praticamente
mental e inaudível. Um conjunto de sons, na verdade, que nem pareciam ter intenção
de se tornarem palavras. Estava quase que travando uma batalha milenar com a
catraca.
“André, dá pra calar a boca por um minuto e vir
me ajudar aqui?” Murmurei. Algumas meninas atrás da gente riam. Fiquei irritada,
senti o rosto queimar. Então André olhou para trás, como se de repente houvesse
retirado capa da invisibilidade que parecia pairar sobre mim. E também riu.
“Ah, foi mal” Desculpou-se. Ajeitou os óculos
fundos com os dedos e piscou algumas vezes. Suas sobrancelhas grossas
inclinaram-se em direção do topo do nariz. Em seguida, pigarreou. Estava
analisando a situação, exatamente como fazia quando não sabia resolver um
exercício matemático. Por fim, levou suas mãos pesadas e ossudas ao encontro das
alças presas da mochila e desfez a bagunça que eu tinha armado. Foi rápido e
pontual – tinha um talento manual inato bastante invejável.
Então André pegou minha mão e me puxou para
frente (e a mochila me acertou em cheio por trás). Encontramos as escadas rapidamente,
porém o jardim estava lotado. Costuramos o caminho em um trajeto zigue-zague
semiprofissional, como se encontrar a porta de entrada fosse questão de vida ou
morte. Empurramos e nos enfiamos entre outros alunos, em uma dança frenética e
singular (se não estivesse tão concentrada em não tropeçar, teria ouvido uma
música zunindo na minha cabeça). Escutamos
murmúrios e reclamações, com alguns tons de voz mais irritadiços que outros. Paramos
para respirar em algum ponto, vi-me sem fôlego. Apoiava as mãos sob os joelhos.
André não me deu muito tempo. Andamos mais, mesmo que um pouco mais devagar. Foi
quando pensei que não tinha mais forças para caminhar que demos de cara com o
professor. Notei então que o gramado estava molhado e um robusto e alto prédio
amarelo nos fitava, solene.
“Conseguimos” constatou André. “Estamos olhando
para o Instituto Municipal de Astronomia”
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