Provavelmente existem outros planetas por aí no céu, mesmo que não façam parte do nosso sistema solar. Isso quer dizer que existem muitos planetas além daqueles que aprendemos na escola. Quando a gente anda pelas ruas das nossas cidades, vemos nelas nomes de gente considerada importante. Eu aprendi na disciplina de Metodologia de História que cursei nesse semestre em pedagogia que as ruas deveriam ter nossos próprios nomes, afinal, nós somos importantes. Nós deveríamos ser protagonistas da nossa própria história. Mas, por algum motivo, deixamos com que a nossa história seja contada por outras pessoas, pessoas que tomam o centro do que é nosso para elas e nos deixam como um mero observador passivo. Isso me faz pensar o quanto recortar o mundo, mesmo com sua importância extrema no que diz respeito à didática, é perigoso. Como duvidar então de que nenhuma percepção é neutra? Carregamos recortes.
Provavelmente não estudamos outros planetas porque alguém entendeu que não diziam respeito de nós. Talvez por estarem mais distantes. A gente não gosta muito de olhar além do que é nosso né? O piloto entendeu bem isso quando observou que o planeta do pequeno príncipe era bem pequeno, pouco maior que uma casa. Provavelmente, por ser pequeno, não pareceu muito relevante às pessoas grandes. Só porque não dava para enxergá-los no telescópio! Ainda assim, vez ou outra, um astrônomo interessado e curioso acaba por enxergá-los e nomeá-los. Nomear algo, para a fenomenologia, é compreender que este algo existe, pois antes de nomear, mesmo que esteja debaixo do nosso nariz, simplesmente não conseguimos ver. É engraçado como o nosso piloto conta dos nomes dados aos asteroides descobertos. Nomes iguais, diferenciados por números. Apesar de alguns astrônomos detectarem a existência de certos planetas, diferenciá-los por números acaba demonstrando uma falta de interesse. É como caminhar durante quarenta dias e quarenta noites e ter convicção de que a resposta está no destino, não no caminho. Algumas pessoas são boas em completar tarefas, mas, assim que a completam, a magia se esvai. Isso é bem bobo, na minha opinião. Quando chegamos à um destino, já não somos a pessoa que éramos antes, portanto, estamos começando outra jornada. A cada dia que nasce, um planeta, mesmo que um pequeno asteróide, não é o que era no dia anterior, mesmo que pareça perfeitamente igual.
Minha casa, sua casa. Ela é vista por poucos. Enxergada então... podemos contar nos dedos os que o fazem.
Houve um astrônomo importante nessa história. Ele era turco. Foi ele quem descobriu o planeta do pequeno príncipe, o asteróide B-612. Quando decidiu apresentá-lo em um congresso de astronomia, porém, foi descredibilizado. Aparentemente, ninguém se importava com outro asteróide pendurado no céu. Mas ele não desistiu. Acabou descobrindo que problema era o marketing: as roupas que usava não seguiam a moda. As pessoas grandes se importam com detalhes idiotas, nunca com o essencial. Elas perguntam: qual a sua idade? quanto dinheiro você tem? (há quantos dias você está aqui no hospital? você se lembra que dia é hoje? sim, isso pertence à uma experiência particular, de uma certa entrevista de anamnese que realizo semanalmente com os pacientes do hospital psiquiátrico no qual faço estágio). São sempre números. Nunca o que realmente importa. Quais os sonhos que tem? Qual o som da sua voz? O que lhe faz sorrir? E então as pessoas grandes dizem conhecer umas as outras. O critério de existência é o mesmo. Se descrito como uma criança em busca de um amigo e muitas perguntas sem resposta, o Princepezinho correria o risco de não existir para as pessoas grandes... ah, mas não seria igual caso fosse apresentado como uma criança habitante do asteróide B-612...
No último parágrafo do capítulo, o piloto compartilha conosco uma ideia que me dói o coração de tão verdadeira que é! Ao mesmo tempo, me faz sentir tão acolhida por não ser a única pessoa preocupada com a questão que eu desejo chorar. Eram seis anos desde o fatídico encontro do piloto e do Pequeno Príncipe (são oito e alguns meses do meu fatídico encontro com uma linda presença em um pão e uma haste de metal). São muitos anos. Quanto mais anos se passam, mais distante e embaçada são as lembranças que temos... elas parecem ir caindo no esquecimento... mas há coisas que não se pode esquecer! Há encontros importantes demais para esquecer... quem se esquece, se torna uma pessoa grande. "Foi por causa disso que comprei uma caixa de tintas e alguns lápis". Quais são minhas caixas de tinta e meus lápis? Como é que eu posso não me esquecer? Eu não quero me esquecer!
Talvez alguns detalhes passem batidos e sejam interpretados de maneiras distintas. Memória, segundo meu professor de história, é justamente isso: uma releitura do que foi vivido. O que foi vivido não volta nunca mais, apenas é memoriado, lembrado. Talvez os detalhes não batam tanto, não seja uma réplica fiel. Mas ainda assim são eles que impedem que o essencial se esvazie.
"Vou arriscando então, aqui e ali. Enganar-me-ei provavelmente em detalhes dos
mais importantes. Mas é preciso desculpar. Meu amigo nunca dava explicações. Julgava-me
talvez semelhante a ele. Mas, infelizmente, não sei ver carneiro através de caixa. Sou um
pouco como as pessoas grandes. Acho que envelheci."
Nenhum comentário:
Postar um comentário