domingo, 23 de fevereiro de 2025

Essa coisa bem chatonilda que vem de noite e parece um espírito obsessor

Ultimamente eu tenho sido feliz. 

Eu encontrei uma maneira gostosa de organizar a minha rotina que me faz enxergar os progressos que eu tenho em cada área da vida. Ela também me ajuda alternar entre atividades que necessariamente precisam ser feitas, atividades do dia a dia e atividades que eu gosto. Eu tenho conseguido ver um filme por semana, por exemplo. E progredir na minha pesquisa. Tenho sido fiel às leituras dos grupos de estudo que participo e também mais pró-ativa com os compromissos dos quais sou líder. 

Me sinto mais segura no ambiente escolar. Acho que é a famosa experiência que a gente adquire fazendo as coisas. Eu tenho mais alunos esse ano e, mesmo assim, sinto que tenho tido um olhar mais amplo da minha sala de aula. Sei mais por onde entrar e no que devo me implicar, o que facilita bastante minha postura como adulto referência e escuta das necessidades deles. 

Atender presencial foi um acerto. Apesar de seguir com os mesmos pacientes de sempre, eu me enxergo muito mais engajada no meu desejo de ser analista. Tenho experimentado os efeitos de uma análise, me parece. Eu me tornei outra pessoa. Precisei fazer o luto de uma Ana Beatriz que estava pendente há algum tempo e agora lido com o desconhecido que é ser essa eu do presente. Que alívio isso. Mês que vem começo a participar das atividades do fórum lacaniano do interior paulista. Essa coisa de se movimentar pra investir na clínica.

Hoje foi aniversário da minha avó, aquela que ainda tá viva. Ela me convidou pra almoçar, assim como convidou toda a família. Eu gosto da minha avó, mas não queria ir. Eu não tenho vontade de interagir com a minha família paterna. Então não fui. Meus pais foram e eu fiquei sozinha em casa. Fazia um tempo que eu não me sentia tão confortável. Eu vi um filme triste, e ele me fez sentir saudade do meu avô, daí eu chorei alto, sem me preocupar se alguém estava ouvindo (não estava, porque não tinha ninguém em casa). Eu também dei banho na Margot com tranquilidade (não fiquei ansiosa pensando que meu pai faria antes de mim, ou que me pressionaria pra fazer, eu fiz porque quis). Minha mãe ficou bem chateada mesmo com a minha ausência, me trouxe dois docinhos da leleninho, mas eu fiquei bem. 

Esse espaço me é tão caro. E há tanto tempo não o tenho. 

Tenho pensado nessas coisas que são minhas. Esse espaço que permite que essas coisas minhas venham à tona. Eu faço muitos movimentos para que esse espaço exista. Eu sai do emprego público que parecia um espaço da minha mãe; competia com o Iuri porque estávamos no mesmo campo profissional; escolho entrar em um fórum onde não conheço ninguém, onde não estão meus amigos; corto laços com a minha prima porque ela beijou dois dos meus melhores amigos, etc etc.

Toda noite quando deito a cabeça no travesseiro, eu sinto um vazio grande. Agora mesmo eu estava rolando o feed do instagram há mais de uma hora antes de vir escrever. Eu tenho sido feliz durante o dia. Eu me sinto bem, vivendo. Eu nunca me senti assim antes, e sei que tem a ver com a análise, com o luto da antiga eu. Eu me dei o direito de ser alguém que tava tentando ser desde sempre. Isso me reconstruiu. Os fragmentos que estavam dispersos foram se unindo, tipo numa constituição imaginária de identidade mesmo (ufa). Eu tenho criado um espaço pra mim. Um espaço de desejo. Mas de noite aparece o outro lado da moeda. Aquilo que eu tenho que bancar porque eu decidi escolher ter um espaço meu. 

Antes, eu costumava colocar minhas confabulações amorosas nesse vazio noturno. E ai, agora, eu meio que nomeei ele. Acho que o sentimento é solidão. Aquela que é constitutiva. Aquela que a psicanálise chama de desamparo estrutural. Antes eu tinha muito medo de olhar pra isso. Mas me veio um insight quando eu percebi que mesmo se alguém estivessem comigo do jeito que eu fantasiava, eu continuaria sozinha. Talvez porque eu tenha vivido isso com o Iuri em outros graus, o de estar só mesmo acompanhada porque éramos duas pessoas que não se conectavam. Mas de alguma maneira eu entendi que mesmo que fosse um encontro muito legal, eu estaria sozinha na vida.  Eu tenho tido uns encontros muito legais comigo mesma na minha rotina e tá tão bonito me ver crescer... eu tenho tido encontros legais com outras pessoas, e nem só no âmbito amoroso, e também é tão bonito de ver minha abertura emocional... mas existe essa coisa que vem de noite, que parece um espírito obsessor (bate na madeira?), que é bem chatonilda. Ninguém pode suprir essa coisa. E por que eu gostaria de suprir ela? Se ela tá ali pra alguma coisa serve. 

Mas assim, eu acho que eu não tenho escolha. Esse negócio de solidão constitutiva é parte da experiência de viver. E meio que eu tô aprendendo a me relacionar com ela. Antes eu afastava, com essa espécie de tamponamento. Agora fizemos amizade, o contato com ela não me dá mais crise de pânico e ansiedade. 

Eu acho que essa amizade tem um pouco da amizade que eu tenho com Deus. Agora que eu convivo com esse infamiliar, eu consigo pensar coisas que eu não conseguia antes. 

Vou fazer uma lista: 

1- Não preciso mais fingir que meus avós estão vivos e que eu posso visitá-los a qualquer momento, mesmo que eu saiba que eles morreram... pra onde eles foram? não sei e não tenho mais a necessidade de saber;

2- Consigo sentir muitas coisas pelo Iuri, tipo arrependimento por não ter percebido e dito pra ele que eu apreciava a companhia dele pra ver filmes e como eu gostava do que ele via em mim que ninguém mais via muito menos eu e raiva também por ele não amar nem ter paciência com a minha versão do passado que eu precisava matar delicadamente e fazer meu luto, e carinho por poder ter a chance de encontrar com ele mesmo com nossas imaturidades, e também pensar em nós e em mim antes e depois dele; e muitos outros sentimentos misturados;

3- Posso enxergar e ruminar o Ber que habita em mim; 

4- Me alegro por não caber mais em lugares que antes quis tanto caber; 

5- Sustento o desagrado da minha família e também quem escolhe ir e vir(e quando digito quem, eu tenho um quem bastante específico em mente); 

6- Começo a aprender a escutar. 

Eu não gosto do número 6, mas eu não consigo pensar em mais nenhum tópico que eu gostaria de acrescentar na minha lista. 

E tudo bem. 

Porque ultimamente eu tenho sido feliz. 

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