quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

PP#2 A pane no avião

Abraçando então a noite escura, se pode viver bem durante um tempo, na solidão, sem ter ninguém para conversar. Mas hora ou outra o avião da gente dá um pane, alguma coisa se quebra na estrutura - algo que já estava lá há tempos - e não dá mais pra empurrar tudinho para baixo do tapete. Quando o avião do nosso protagonista caiu, ele percebeu que estava cercado por um gigante deserto, sem flores, cavalos ou escadas. Tampouco tinha suprimentos: estimava durar uma semana e olhe lá. Concluiu, então, que sair dali era questão de vida ou morte. Viu que não tinha escolha: ele precisava parar, olhar para o que havia se quebrado e tentar consertar.
Em um primeiro momento, apenas adormeceu. O primeiro passo é sempre o mais difícil, as dunas parecem altas demais e toda a tentativa frustrada de conserto parece terminar em uma longa soneca. A depressão sabe como jogar. A noite é bem propícia para dormir - pode-se dormir mais do que o desejado.
Mas o nosso piloto acordou, não se entregou ao seu sono eterno. Na verdade, ele foi despertado, por alguém que tinha vida naquele deserto - e ele não fazia ideia de onde tinha surgido. Era uma vozinha estranha que implorava: desenha-me um carneiro! O pequeno príncipe se apresentava ao piloto, casualmente, causando-lhe uma sensação de surpresa e estasia.
O que uma criança fazia no meio de um deserto? E por que não parecia ter frio, fome ou medo? Ainda que lhe perguntasse "o que fazes aqui?", o principezinho estava muito decidido: queria um carneiro. Mesmo que não compreendesse, o piloto assentiu. Mistérios grandes são para serem vividos, nem sempre para serem compreendidos.
"Eu não sei desenhar" o piloto argumentou. "Isso não importa" respondeu o Pequeno Príncipe. Não importava mesmo? E então, pela primeira vez em muito tempo, o piloto tirou lápis e papel do bolso e desenhou. Inseguro, recorreu ao que lhe era conhecido: a Jiboia e o Elefante. Não, o Pequeno Príncipe não interpretou aquilo como um chapéu - e isso fez com que todos os rótulos caíssem e o medo de errar fosse embora (como eu queria ser como o pequeno príncipe!). No seu país não tinha espaço para Jiboias e Elefantes, não porque não existiam, mas porque tudo de onde vinha era pequeno: era preciso escolher o que cabia sem precisar invadir espaço nenhum. Morar em um planeta em que tudo é bem pequeno significa estar próximo de tudo que diz respeito ao espaço onde se mora. Quando se está próximo, revela-se ao que está próximo. Aos pouquinhos se conhece a intimidade.
O Pequeno Príncipe era exigente com os carneiros desenhados: um estava triste demais, outro doente demais, outro velho demais. Isso me faz pensar que nada nunca é exatamente como queremos: a idealização e o perfeccionismo podem ser uma uma maldição. Mas, se conseguimos dar ao problema uma solução criativa, como um carneiro dentro de uma caixa, entendemos que a idealização pode ser superada pela simplicidade. "Era exatamente o que eu queria!" O príncipe exclama.

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