quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

PP#1 O chapéu

Esse primeiro capítulo já começa com várias reflexões. Não foi de primeira que eu entendi a importância que ele tinha para toda a história, pois, para mim, por algum tempo, ele me pareceu sem pé nem cabeça. Na realidade, ele é o corpo do livro, pois expõe a raiz, o porque aquela história estar sendo contada. É como uma justificativa de um trabalho acadêmico: a jornada deve partir de algum lugar. A pane do avião do nosso protagonista não aconteceu ao acaso, ela foi sendo ensaiada desde o fatídico sonho frustrado na infância de pintar - e note: durante toda a obra, o piloto é pintor. A falta de sensibilidade das pessoas grandes, aliada a necessidade de padronização acabou por desincentivar o olhar de descoberta do menino de seis anos que era um pintor em potencial. Devido à isso, terminamos com um piloto de avião como protagonista, e não um pintor. Por que?
Também terminamos com um piloto que desistiu, aos poucos, de se comunicar ou expressar o que via e quem verdadeiramente era, com seus cenários selvagens e cheio de estrelas, porque estava cercado de gente que dizia preferir de chapéus, política e gravatas. No fundo, não era exatamente um gosto. A resposta do chapéu, em seu tom marrom, decepciona profundamente não só porque não demonstra incompreensão, mas pois faz memória à falta de cor. Como é também peça comum no vestuário da época, reflete o coração endurecido das pessoas grandes frente ao cotidiano mecanicista de uma vida em sociedade, em que jiboias e elefantes não tem espaço para existir, aparecendo apenas em selvas que são somente vistas em livros.
Algo que também me chama muito a atenção nesse primeiro capítulo é a necessidade que tem as pessoas grandes de explicações. Quando se está atento ao que acontece ao redor, se refina a sensibilidade do cotidiano, percebe-se que o mundo é simples. O mundo explica-se por si mesmo. As pessoas grandes estão constantemente complicando tudo, pois se desconectam das respostas do mundo - até mesmo do próprio mundo interno.
A angústia do piloto, já adulto, por sua identidade e sentido, se revela uma prioridade, pois afirma já ter voado por todo mundo, conhecido gente de todo o tipo.. talvez esgotado suas possibilidades de resposta. A geografia se mostrava útil para dias que ele se perdia na noite, claro: a gente se vira sempre com o que tem. Mas, logo no primeiro capítulo da jornada, somos apresentados a constatação do piloto de que algumas viagens tem noites mais longas do que esperamos - e então não conseguimos dar conta delas apenas com o que temos.

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